por Ion Alecsandri
Sexta-feira, 28 de Outubro de 2022
Este conto é a terceira parte da trilogia da minha vida. Para você entender melhor, leia antes Naquele ano de 1993 e depois Incognito, quando conheci Leonardo, o amor da minha vida. Doze anos depois de eu ter contato essa história, vem o seu epílogo, não tão feliz quanto eu imaginara.
***
Hoje pela manhã, acordei de sobressalto mais uma vez. Outro pesadelo em que acordei gritando seu nome. As costas molhadas de suor, o peito palpitando, a mente dominada pelo medo. Vai ser difícil me acostumar com a solidão. Mais difícil ainda é tentar entender como pude chegar aonde cheguei.
Seis anos atrás, eu era apresentado ao meu novo posto de trabalho. Um hospital pequeno numa cidade vizinha à que moro. Minha anfitriã falava com uma voz tão lânguida que me fazia bocejar quase a cada frase. Levou-me para conhecer toda a unidade, deixando por último o estar médico, onde moraria um dia por semana por todos esses anos.
Fui apresentado a dois colegas. O primeiro, Marcelo, muito simpático, sorridente, dentucinho, jeitinho estabanado, me ganhou rápido pelo seu jeito espontâneo. O outro, Júlio, corpinho musculoso, baixinho, estava de costas quando entrei no quarto. Me chamou a atenção aquelas duas bandinhas de melão espremidas na calça jeans apertada. Fui apresentado a ele, que me cumprimentou sério e com pressa, retomando logo o assunto que tratava com Marcelo.
Fui deixado pela diretora, que me desejou boa sorte no plantão. Seriam as primeiras 24 horas naquele lugar que me traria raiva, tristeza, felicidade e desespero.
Procurei me ajeitar na cama que sobrou e, sentado, enquanto desfazia minha mala, olhei na direção de Júlio, agora de frente pra mim. A camisa apertada ressaltava a silhueta de seus peitorais discretamente trabalhados. Tronco fino, braços revelando que o trabalho estético de seu corpo era recente, enquanto as pernas torneadas revelavam zelo e atenção ao corpo inteiro. Mas o volume do seu pau na calça jeans era perturbador. Era magnético, e precisei fazer um esforço pra desviar o olhar. Pelo resto do dia, entre um atendimento e outro, procurei me entrosar com a equipe de trabalho e a cada caso discutido de Júlio, eu revisitava visualmente todo seu corpo.
Alguns meses depois, já cultivando uma agradável amizade com meus colegas, tive a tristeza de ser comunicado que ambos estariam sendo transferidos para outro município. Parcerias médicas nunca são para a vida. Fizemos uma festinha de despedida e, ao final do plantão, desejamos boa sorte uns para os outros, nos abraçamos e fomos embora. Passadas oito semanas, recebi uma ligação de Júlio me dizendo que estaria voltando para o hospital. Então abriu o coração comigo e perguntou se eu poderia treiná-lo para que ele se aperfeiçoasse em emergência médica. Aceitei na hora. Afinal, um parceiro bem treinado divide melhor as tarefas. E assim nossos laços se estreitaram.
A companhia dele agora era constante, pois ele estava presente em muitos dos procedimentos que eu fazia, discutíamos casos clínicos, conversávamos besteiras mais típicas de dois adolescentes que de uma dupla de médicos. Fui convidado para viajar com ele no fim do ano para os EUA e aceitei. Eu já estava atormentado pelo desejo, mas não havia abertura pra conversas íntimas. A vida seguiu. Meu deleite era apenas visual. Sempre que surgia oportunidade, eu observava seu corpo. Desejava espioná-lo o tempo todo. O barulho do chuveiro quando ele tomava banho, me excitava. Muitas vezes quis ser apenas água, e deslizar por ele inteiro, remanescendo como apenas uma simples gota pendurada na ponta de seu prepúcio até dali despencar e me desfazer pra sempre.
O tempo passou. O desejo por Júlio foi sendo soterrado pela rotina frenética. Àquele tempo, eu já tinha convicção de que ele era gay, por mais que não deixasse claro, e por fim, acabei sabendo que ele tinha, de fato, um namorado, depois apresentado a mim em um evento. Fiquei enciumado, mas fui cortês. Ouso dizer que conquistei a simpatia imediata de meu imaginário rival. Um ano depois, numa noite de plantão calmo, nossa conversa se aprofundou. No auge do papo, eu abri o coração e desabafei sobre as dificuldades da vida afetiva de um gay. Ele ouviu com naturalidade e – ao contrário do que eu pensava – contribuiu para a conversa revelando a mim as dificuldades que enfrentava com Augusto, seu namorado. Aquele dia foi histórico em nossas vidas. Nossa amizade, somente então, ganhou uma nova camada, mais profunda, mais bela, ampla e verdadeira. Éramos agora – além de tudo – confidentes. Mesmo pressentindo reciprocidade em seu carinho, eu não avancei o sinal vermelho. Eu nunca recebera essa autorização subliminar, então me contive.
Um ano atrás, enquanto fofocávamos sobre um colega de trabalho, por quem temos uma coincidente atração, resolvemos comprovar outras coincidências sobre nossos gostos. Propus uma brincadeira de confissões. Eu fazia uma pergunta, ele respondia, eu também respondia depois. A seguir, ele fazia uma pergunta, eu respondia, ele também respondia depois. Assim, descobri que ele era bem mais safado do que eu imaginava. Que ele não tinha restrição com relação ao tesão por outros caras. Que ele tinha tara por gordinhos (eu me encaixava nesse perfil). Que ele admitiu ser bem dotado. E que muitas das coisas que eu curtia em sexo, ele curtia também. No fim, veio a frase mais perturbadora desde que nos conhecemos:
– A gente se dá certinho um com o outro, né? – falou ele.
– Você acha mesmo?
– Com certeza.
Eu congelei. Não consegui mais me concentrar na nossa conversa e fiz até um esforço pra encerrá-la. Eu precisava pensar. Passei o resto da semana perturbado por causa daquele bate-papo. Perturbado por aquela frase. O que ele queria dizer com aquilo?
Estive presente nas crises amorosas entre Júlio e Augusto. Na primeira, ajudei Augusto, fazendo com que Júlio entendesse seu ponto de vista e mediando a reconciliação dos dois. Mas Augusto tinha uma personalidade destrutiva. Não tardaria acontecer uma segunda crise. Seu excesso de controle sufocava Júlio, o que deflagrou uma segunda crise, com uma separação dessa vez mais duradoura. Então nos aproximamos cada vez mais.
Meses depois veio a pandemia de covid. Com ela, o distanciamento social e o risco de contrair a doença, que a nós, da saúde, atingiu como um meteoro. Perdemos alguns amigos, colegas de trabalho e testemunhamos vários serem admitidos nos hospitais em estado grave. Nossa autoestima, nossa autoconfiança, nossa sensação de segurança foram desintegradas naqueles meses. Eu peguei a doença. O quadro se agravou e precisei ser internado. Júlio mesmo sabendo dos riscos, não passou um dia sequer sem me visitar. Semanas depois, já recuperado, foi a vez dele. Durante seu período de isolamento em casa, ele perguntou se seria demais que eu pernoitasse algumas vezes na casa dele, pois o sentimento de solidão o consumia. Eu lhe disse que, embora não toda noite, poderia pernoitar em sua casa.
Foi na segunda noite, ambos de short, sem camisa, deitados na cama larga do quarto dele e vendo TV, que a tensão começou a surgir. Após um curto silêncio de fim de assunto, ele me agradeceu. Foi um longo agradecimento e reconhecimento de tudo o que eu havia feito por ele. Do acolhimento como colega de trabalho, das vezes que o substituí nos plantões, da atenção e suporte em suas crises emocionais, dos conselhos sobre seu futuro profissional. Mas aquela penumbra da luz da TV no quarto escuro, a temperatura agradável, a maciez dos lençóis, seu corpo coberto apenas com aquele minúsculo short, seus pelinhos sobre aquela barriguinha saliente dos anos já sem academia, seu cheiro de banho tomado, sua voz arranhada, meio rouca falando baixinho num tom de confidência e carinho foram me fazendo palpitar e evoluir para um incômodo estado de ereção, que ele percebeu numa olhada discreta na direção das minhas pernas.
Continuou falando e eu pude observar seu pau deformando dramaticamente o short e, ao contrário de mim, ele não fez o menor esforço pra esconder. Vez ou outra, eu precisava desviar o olhar de seu rosto porque seu pau latejante esmurrava o tecido do short, quase me deixando sem condições de respirar.
Ele ainda estava de barriga pra cima ao meu lado, a uns dois palmos de distância, quando eu virei de lado na sua direção pra esconder meu pau que – de tão duro – já estava deslizando no meu púbis a cada latejada, de tão melado. Enfim, naquela briga interna entre certo e errado, minha mão esquerda enfim se estendeu e repousou sobre seu estômago. Era o desejo vencendo a guerra contra a razão. Era minha mente entorpecida se rendendo ao tesão. Ela ali, esticada sobre seu estômago estava trêmula e meio fria, e eu estava ainda preocupado se ele percebia isso. Ele não se mexeu. Ficou em silêncio e continuou me olhando carinhosamente, com olhos de gratidão e doçura. Minha boca pronunciou um “você não precisa agradecer” no modo automático. Eu não estava mais em condições de raciocinar e, acredite, não sei nem como me lembro das coisas que aconteceram a partir de então.
Quando eu venci o medo e deslizei minha mão para cima, na direção do seu peito, ao mesmo tempo ele se moveu pra mais perto de mim. Nos olhávamos com uma atração tão forte, que poderia haver a qualquer momento uma descarga eletrostática. Mais uma fração pequena de tempo, e ele virou-se na minha direção e parou com seu rosto a poucos centímetros do meu.
Eu agora sentia sua respiração nos meus lábios. O coração estava saindo pela boca. Eu sentia os pulsos das minhas têmporas quase explodindo. Uma confusão mental se estabeleceu entre culpa, êxtase, as primeiras lembranças da nossa amizade. Cedi. Quando nossos lábios se tocaram, bastou alguns segundos pra entrarmos em combustão. O desejo é um sentimento realmente explosivo. Em altas temperaturas, seu poder se torna mesmo avassalador. Eu queria muito me lembrar de mais e mais detalhes dessa cena, mas eu ali era um animal parcamente racional. Senti o gosto de sua língua macia e carinhosa, a textura de seus lábios, a aspereza de sua barba por fazer roçando em meu rosto e pescoço, o cheiro singular de cada cantinho distinto de sua pele. Lembro do seu abraço, da sua mão nervosa enfiada dentro do meu short, abrindo espaço entre minhas nádegas e tocando meu ânus com suavidade. Da minha mão em suas costas musculosas, correndo pelo seu quadril e finalmente tocando meu mais desejado objeto. Seu pau enorme, opulento, que mal cabia naquele minúsculo short. Tirei-o pra fora, e comecei a masturbá-lo, retraindo seu prepúcio farto e expondo sua glande úmida, que gotejava de excitação.
Ele rolou pra cima de mim depois de baixar meu short até os tornozelos, que sacudi para longe com os pés. Dessa forma, ele pôde se encaixar entre minhas pernas, iniciando um frottage lento mas vigoroso. Nossas bocas não se desgrudavam mais. Com uma das mãos, ele reposicionou seu pau para baixo do meu saco e o fez deslizar por entre minhas coxas. Era longo o suficiente pra, mesmo naquela posição desfavorável, alcançar meu ânus e forçar entrada.
Quando cansamos daquela brincadeira, nos levantamos e trocamos carícias ajoelhados na cama. Ele me deixou brincar com seu cuzinho depilado. Com os dedos, pude sentir que ali não havia muito usufruto, embora eu já soubesse disso por antecipação, por tantas conversas íntimas que já tivéramos no passado. Aliás, já nos conhecíamos mais intimamente que muitos namorados sexualmente regulares.
Confirmando suas preferências, ele me virou de costas e, assumindo uma postura agora mais viril, me abraçava por trás, beijando meu pescoço. Suas mãos acariciavam meu saco e meu pênis, enquanto o seu desafiava a resistência do meu ânus no meio de uma lubrificação natural relativamente abundante.
Eu propositalmente relaxava pra deixar sua glande “tropeçar" para dentro quando passava por ali. Numa dessas tentativas, ele se deteve. Começou a massagear meu ânus com seu pau enquanto eu me esforçava em manter o máximo relaxamento.
Lentamente, num ato mais racional que instintivo (porque deixar um pênis enorme penetrar você somente à base de suor e líquido seminal é uma tarefa um tanto suicida), consegui permitir a entrada da cabeça do seu pau. Mas a dor foi lancinante e a contração reflexa a expulsou. Ele se afastou na direção de um dos criados-mudos e voltou com lubrificante. Deixei que ele brincasse à vontade com seus dedos. Primeiro um, depois dois, e por fim três dedos enfiados no meu cu até o limite. Alguns movimentos giratórios faziam com que suas falanges esmagassem minha próstata, e meu pau convulsionava cada vez que isso acontecia, e eu pingava de tesão.
Então tentamos novamente. Agora sua glande seguiu seu caminho sem resistência, e lentamente fui me sentindo preenchido, mas ao mesmo tempo ainda sentindo dor. A cumplicidade, o carinho, e o conhecimento de nossos corpos nos permitiram permanecer parados ali, ajoelhados sobre o colchão, até o caminho ficar plenamente aberto. Então ele se movimentou para trás, sentando sobre seus pés, e me arrastando junto pela cintura. Fui assim deslizando cuidadosamente para baixo, encaixando seu pau dentro de mim, com dor, mas decidido.
Quando enfim nossas coxas se encontraram, eu já podia sentir seu saco tocando minha bunda. Estávamos totalmente entregues. A pressão que seu pênis fazia na parede do meu ânus era tão grande, e gerava no meio da dor (agora reduzida) um prazer tão intenso, que eu sabia que nada podia tocar meu pênis, sob risco de eu gozar e acabar com tudo. Então ficamos um tempo só com meu sobe e desce devagar.
Quando a dor sumiu por completo, pude tirar seu pau de dentro de mim, voltar a deitar, e pedir que ele me penetrasse de frente. Eu queria beijá-lo, admirá-lo naquele ato tão viril, me permitir ser emasculado simbolicamente por aquele homem doce, com uma masculinidade discreta e sensual. Dessa vez, ele me penetrou com facilidade, e isso nos encorajou a sermos mais ousados nos movimentos.
Gradativamente, as estocadas foram ficando mais fortes, ao ponto de suas bolas baterem na minha bunda. Nos olhávamos com voracidade. A um dado momento, uma gota de suor de sua testa caiu no meu olho esquerdo, e a ardência acabou me desconcentrando. Ele percebeu, parou, e enxugou meu rosto, perguntando se tava tudo bem. Aquele gesto carinhoso me deixou derretido (o que àquela altura sobrara de mim).
Engraçado é que eu lembro ter sentido seu pênis perder volume, mas ainda mantendo um estado de ereção suficiente pra ele voltar a me foder com força. Dali, não tivemos mais vontade de tentar nenhuma nova posição. Ambos estávamos fazendo amor do nosso jeito preferido. Então, apenas alternamos períodos de carinho e vigor, controlando o clímax até que estivéssemos esgotados. Somente quando ele disse que não dava mais pra aguentar a vontade, segurou forte meu pau, e com a outra mão, minha cintura. As estocadas se intensificaram. Enquanto ele me masturbava com força, corria a polpa do seu polegar sobre o freio do meu prepúcio. Quando o clímax chegou, prendi a respiração e meu pênis explodiu num jato tão forte, que atingiu o travesseiro acima da minha cabeça e melando meu rosto, peito e barriga, seguido de vários outros jatos intensos como se fosse minha primeira ejaculação do ano. Ao mesmo tempo, seu rosto se contraiu e ele parou completamente, pra logo em seguida soltar um longo suspiro gemendo, enquanto seu pênis se contorcia dentro de mim, me preenchendo de seu sêmen.
Sem nos separarmos, ele desabou sobre mim, compartilhando daquela melecadeira completa no meu tronco, beijando meu queixo melado, juntando com a língua a porra espalhada próxima à minha boca, e completando tudo com um beijo.
Rimos alto. De alívio. De cumplicidade. De realização. Conversamos algo aleatório, sem nenhum propósito, com ele debruçado sobre meu peito, enquanto seu pênis amolecia e finalmente era expulso do meu reto. Atrás dele, meu ânus completamente imobilizado não conseguiu conter o rio de esperma que veio logo atrás, me fazendo senti-lo escorrer entre minhas nádegas e provavelmente alcançando o lençol da cama.
Criamos coragem para levantar e tomar um banho revigorante. Aos poucos meu cérebro voltava a assumir o controle e os conflitos começaram a me corroer. Ainda pude apreciar aquele momento único. Lembra daquele desejo de ser água e percorrer seu corpo durante o banho? Não precisava mais. Apenas admirava a água escorrendo por sua pele. Sorri observando uma gota brilhando na ponta de seu pênis, pendurada em seu prepúcio, para finalmente cair no chão do box enquanto ele se secava. Já vestidos, eu precisei me despedir dele para voltar pra casa. Não podia amanhecer no seu apartamento.
Ao chegar em casa, tomei um grande susto. Na penumbra da sala escura, vi a silhueta de um homem enorme sentado em uma das poltronas. Embora não visse seu rosto, sabia que ele me encarava. Minha carne tremia na mesma intensidade que meu coração palpitava. Criei coragem e acendi a luz. Pra meu maior escândalo, era mesmo Leonardo ali me olhando. O rosto lavado em lágrimas. Mesmo assim, eu via ódio em seus olhos.
– Amor, onde você tava? – disse ele.
– Leo, o que aconteceu? Por que você voltou pra casa? Você abandonou o plantão?
– Me responde. Eu te fiz uma pergunta.
Aquilo começou a me destruir por dentro. A culpa virou um monstro enorme na minha mente. Lentamente fui tomado por um desespero sem fim. Percebendo que meu silêncio não seria facilmente quebrado, ele continuou:
– Sabe, amor, quando vocês começaram a se aproximar, eu tive o presságio. Mas na época, eu lutava contra o ciúme pra tentar te deixar mais feliz e confiante em mim, pra te dar sossego. Só que eu via que vocês pareciam não saber qual era o limite na aproximação de vocês. E mesmo lutando contra mim mesmo, seu comportamento me fez precisar observar vocês de perto. Você achou que eu nunca iria olhar seu celular, né? Pois é. Acabei vendo o joguinho de vocês. Aquela intimidade de gente solteira que está se conhecendo. Só que entre dois homens casados… Eu vi você, nas últimas semanas, descaradamente feliz depois da separação do Júlio e do Augusto. Mesmo assim, eu seguia em negação. Aí, alguma coisa me fez ir adiante e resolvi monitorar seu celular. Hoje cedo, assim que você foi pra casa do Júlio, eu liguei pra Tamara e pedi pra ela me substituir no plantão. Eu estava passando mal. Já vomitei três vezes. Meu estômago e meu peito doem. Mas minha doença tem nome. Mesmo assim, amor, eu fiquei em negação até agora, cinco e meia da manhã, vendo você chegar de banho tomado, da casa do Júlio.
Eu mal conseguia respirar. Não conseguia pensar. Não conseguia falar. As palavras entravam na minha mente com a força de uma marreta. Foi assim que 21 anos de união feliz foram pulverizados em poucas horas. Não adiantou pedido de perdão, choro, súplica. Enquanto eu perdia força, Leonardo se erguia das cinzas de seu ego ferido, agora decidido. Entrei em desespero vendo-o arrumar algumas roupas e socá-las de qualquer jeito em uma valise. Não houve barganha suficiente pra impedir que o amor da minha vida atravessasse a porta de nosso apartamento sem destino conhecido.
É como a morte…
É como a morte…
Só quem já perdeu alguém amado sabe o que é essa dor. Os primeiros dias foram os piores. Flutuei entre o desespero das tentativas de contato com Leonardo, sem sucesso. Supliquei a Tamara que interviesse, mas àquela altura ela já sabia de tudo e podia perceber, pelo tom da conversa, o seu desprezo. Só o trabalho conseguia me tirar dos pensamentos mórbidos e voltar pra casa era como voltar pra um calabouço onde o carrasco era minha consciência. Eu não dormia, não comia. Só pensava e chorava. Eu olhava pela janela, para o chão do pátio lá embaixo e a ideia de deixar a vida começou a tomar forma na minha mente.
Não entrei mais em contato com Júlio. Ele devia ter sabido do que aconteceu. Sua ausência também foi sentida de forma miserável. Eu não podia mais nem contar com o amigo, já que a amizade estava suja de saliva, suor e esperma. Ou será que ele apenas não queria nenhum vínculo comigo? Será que o sexo não foi bom? Será que ele fizera de propósito? Minha cabeça parecia que ia explodir.
Por fim, meu espírito se esgueirou através do tempo como uma serpente por entre as pedras de uma gruta trevosa. Minha consciência envenenada pela autocomiseração não mais se recuperou. Já faz meses desde o dia em que meu Pierrot cruzou aquela porta. Ainda não o vi. Não sei se algum dia voltarei a ver seu olhar carinhoso. Hoje sou apenas escombros do homem pleno que fui um dia, alimentado por memórias e culpa pelo amor que perdi.
É como a morte…
É como a morte…