por Anderson Oliveira
Quarta-feira, 10 de Abril de 2024
Foi no carro, numa viagem para a praia, que ele perguntou minha idade pela primeira vez. Quando eu respondi quarenta e cinco, ele só disse “ah”. Achei que estaria tudo terminado. Também fiquei surpreso quando descobri que ele só tinha vinte e cinco. E o fato de ele dizer que eu não aparentava minha idade não fez com que eu me sentisse melhor.
Ele era garçom de um restaurante que eu frequentava perto de casa. Atraente, sempre distante e ocupado no trabalho. Acabamos batendo um papo mais demorado num dia de pouco movimento e percebemos que tínhamos interesses em comum.
Estávamos juntos há seis meses e voltei a fazer trekking, escalar montanhas e acampar. A sua jovialidade e bom humor fizeram renascer em mim uma nova energia. Não nos faltavam motivos para rir ou assunto para conversar. Na cama ele estava em sua plena forma física e reaprendi a transar de duas a três vezes por dia.
Eu gostava da sua virilidade e do jeito que uma covinha se formava na sua bochecha quando ele ria. Ficava extasiado ao seguir com o dedo o caminho de pelos finos que começavam abaixo do umbigo em direção ao seu sexo. Viajava ouvindo as histórias engraçadas de sua infância em Pernambuco. Todo início de verão, a gente reservava uma casa em algum lugar isolado e comemorávamos a chegada do calor. Se as noites estavam claras, deitávamos lado a lado num colchão de ar olhando as estrelas e conversando durante horas.
Uma tarde de inverno estávamos no alto de uma montanha e o tempo fechou de repente. Nos abrigamos numa pequena caverna enquanto assistíamos a tempestade lá fora, rimos e transamos até o tempo melhorar. Quando descemos para nossa cabana e eu estava cortando tomates para o almoço enquanto ele assistia a um jogo de futebol, o amor simplesmente bateu no meu peito – como um golpe físico. Seria aquele o amor que vemos nos filmes? Ele chegou tão forte que pensei se tratar de um sentimento falso.
Ele também me amava e não cansava de dizer isso. Eu já não tinha essa coragem, vivia cada dia como se fôssemos terminar no dia seguinte, só aguardando o que era inevitável: o fim daquele namoro improvável.
Eu já havia passado por diversos relacionamentos duradouros. Para ele nosso envolvimento era o mais longo. Ele havia se mudado de Pernambuco para cuidar da avó doente aqui no interior de São Paulo.
Um dia estávamos atravessando uma rua e ele disse – assim do nada – que um dia queria estar com alguém que também tivesse a vida inteira pela frente. “Eu sei” – respondi. “Eu também não quero me casar com você”.
Ele pareceu magoado, mas o que ele esperava ouvir? Eu não queria ter que lidar com o fato de que no futuro ele iria preferir olhar para garotos mais novos que eu. Era doloroso pensar nisso, mas deixá-lo era igualmente difícil.
Às vezes uma esperança me invadia e eu até pensava que poderia dar certo, como nos filmes, pois era tudo tão perfeito. Por algum milagre, quem sabe?
Nos separamos duas vezes nos anos seguintes. Parávamos de nos ver e eu sempre o deixava ir. Afinal, pela lei natural das coisas, esse relacionamento não era para existir. Eu não conseguia deixar de esquecê-lo, então não comecei novos romances nesse meio tempo, mas fiz bons amigos.
Foram cinco anos entre idas e vindas. Sempre namorávamos outras pessoas. A cidade é pequena e eu sempre o via com caras da idade dele. Depois de um tempo, ele me ligava com a desculpa de tomar uma cerveja e nós voltávamos a ficar juntos. Ele sempre falava em encontrar alguém com quem pudesse crescer e construir algo. O fato de eu ser financeiramente independente o incomodava e ele não se sentia à vontade quando eu pagava por algumas coisas.
Um dia estávamos acampados numa praia deserta, tomando café do lado de fora da barraca e diante daquela paisagem espetacular, o sol batendo no seu rosto, ele diz:
– Vou voltar pra Pernambuco com minha vó. Ela não tem muito mais tempo de vida e quer morrer na nossa terra.
– Faz sentido. Eu entendo – respondi.
Fiquei arrasado, mas me recuperei mais uma vez. Fui visitá-lo em Pernambuco e ele me levou para conhecer a Chapada do Araripe. Alugamos um carro por dez dias, fizemos uma playlist com as nossas músicas e nos divertimos muito. Éramos bons em ignorar o futuro.
Um dia ele me ligou tarde da noite. Disse que estava fazendo um curso de mecânica e acrescentou que um dos colegas estava interessado nele.
– Bom, acho que você está fazendo a coisa certa, está seguindo sua vida – consegui dizer.
Depois de refletir mais alguns segundos, eu disse:
– Vamos terminar. A gente não deve se falar mais.
– O que? – ele realmente pareceu surpreso com minha reação.
– Você precisa seguir seu rumo, conhecer alguém e procurar realizar seus sonhos.
Ele ficou calado um tempo e depois disse:
– Você tá certo – eu não esperava que seria tão fácil assim pra ele.
Eu não estava com raiva, afinal sempre soube que essa seria a conclusão da nossa história. Meus amigos disseram que nunca tinham me visto tão triste e deprimido.
Um ano depois recebi uma mensagem de texto.
“Eu sei, eu sei... pode brigar comigo, já faz um ano. Mas é o início do verão e me lembrei de você.”
E foi isso. Ele se casou com um rapaz da sua cidade, mesma idade, mesmos anos pela frente. Nossa amizade continua, afinal ainda temos muitas coisas em comum fora a idade.
Alguns de meus amigos disseram que ele foi egoísta. Ou que só perdi meu tempo. Nenhuma das duas coisas é verdade.
O que é verdade? A verdade está escrita ainda num pedaço de papel que escrevi e deixei guardado numa gaveta para o dia em que o final chegasse: “Muito depois que você se for, o sol do verão sempre trará consigo o calor do seu sorriso”.